quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O ANDARILHO



(Extraído do meu livro "CONTOS & CASOS (DA VIDA E DO FÓRUM)



Cabelo e barba desalinhados, nunca feitos, maltrapilho, sempre vagou por ruas e bairros da cidade. Um dia foi atropelado e ficou em coma profundo por vários dias num leito da Santa Casa. Quando acordou começou a falar sobre Montanhas Encantadas, de onde dizia ter vindo. Com os olhos esbugalhados, fugiu direto para as estradas, pelas quais nunca mais parou de caminhar, à procura desse lugar encantado.
Simplesmente o chamavam de Andarilho. Nem ele mesmo sabia seu nome ou suas origens. Pouco o incomodavam o sol, a chuva, o vento, o frio ou o calor. Comia os restos que encontrava em vasilhas de lixo ou o que lhe davam nos bares das estradas. Só tinha um pensamento: chegar ao lugar de onde viera, que dizia ser o Paraíso.
Por onde passava ou parava chamava a atenção, pela sua figura peculiar. Os adultos, disfarçadamente, se afastavam e as crianças, quando não caçoavam dele, corriam de medo. Seus olhos, porém, não se fixavam em ninguém, parecendo perdidos, voltados para o infinito. Dificilmente falava e nem se incomodava quando lhe faziam algum gracejo. Era um ser quase inexistente. Presente, fisicamente, seu espírito vagava pelos espaços, na busca incessante daquele maravilhoso lugar, junto às Montanhas Encantadas, que lhe serviam de norte e estavam sempre à sua frente, como uma miragem, sem nunca alcançá-las.
E assim o Andarilho vagou por anos e anos a fio, enfrentando os castigos da natureza, a maldade e a indiferença dos homens e mulheres, a provocação dos moleques, o temor das crianças. Não lhe importava a direção, se Norte, Sul, Leste ou Oeste. Bastava andar sempre para a frente, num mundo redondo, onde os extremos se tocam. Mudando de estrada para estrada podia até passar mais de uma vez pelos mesmos lugares, sem nunca ter notado, porque não olhava para as casas, nem para as pessoas. Tinha o olhar fixo na linha do horizonte das planícies, na busca das curvas sinuosas das montanhas, o seu destino final.
Um dia, já velho e cansado, alquebrado, castigado pelo tempo, chegou a um lindo vale, com passagens estreitas entre grandes elevações escarpadas, que mais pareciam figuras mitológicas de deuses ou monstros. Estava bem fraco, mas nem percebia, impulsionado pelo ardor do sonho imorredouro.
Já era noite e parou sob as escarpas, junto a uma frondosa árvore, perto de um riacho de águas cristalinas, tremulantes e sussurrantes. Ao se inclinar para matar a sua sede, quase encostou o rosto na água e sentiu o forte reflexo da lua cheia, a ofuscar seus olhos, já bastante castigados pelo sol causticante das caminhadas. E foi nesse exato momento, ali ajoelhado à margem do riacho, que teve a visão miraculosa das montanhas procuradas, iguaizinhas às que sonhara a vida inteira. As elevações à sua volta ganharam os mais belos tons. Umas eram amarelas como o ouro. Outras eram verdes como as esmeraldas e outras, refletindo a luz da Lua, eram brancas como a prata.
Recostou-se na árvore e ficou imóvel, extasiado pela visão paradisíaca. Já não era mais sonho. Chegara, enfim, às montanhas tão sonhadas. Com o sorriso da pessoa mais feliz do mundo, fechou os olhos e adormeceu o sono dos homens sem maldades, dos homens puros de espírito, dos sonhadores.

7 comentários:

  1. “Atropelados pelas vicissitudes da vida, fugitivos das mazelas que nos tolhem a ternura tendemos a seguir, como párias, desconectados da esperança, sedentos de paz, saudosos de infinito. Derrotados por uma situação qualquer seguimos assim mesmo como mortos vivos. Confusos, ainda temos a ventura de sonhar e vislumbrar uma luz no final do túnel. E, talvez inconscientes, seguimos esta luz, na busca da morada final. Até à plenitude dos tempos...”
    Muito lindo o teu texto, Ney. Parabéns!

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  2. Ney, visitei tua página no "Talentos da Maturidade" e notei que assinaste teu soneto SER MÃE. O regulamento do concurso diz:
    – A obra não deve ser assinada pelo Participante. O nome do Participante deve constar apenas na Ficha de Inscrição. Como o teu trabalho foi salvo em Doc poderás voltar lá e retirar o teu nome.Abraços.

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  3. Ler o que vc escreve é sempre um momento muito prazeroso...Gosto muito do que escreves, pq sempre me traz a sensação de que no final, tudo estará bem.

    Abraços.

    Leila

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  4. Sr.Nei
    bom dia sou escritor de primeira viagem ou obra e recebi uma proposta da mesma editora que o sr publicou sua obra gostaria se possivel me informar a respeito da editora e outras informaçoes que for importante eu saber fico grato desde ja pela atenção
    cidobrc@hotmail.com
    Abraços
    Cido

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  5. Olá, Cido.
    Ela apenas publica, põe no site, no Google (books) e no amazon.com. Não coloca em nenhuma livraria. A divulgação é por sua conta. Dê uma espiada em "www.clubedeautores.com.br", que também publica por demanda. Boa sorte!

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  6. A nossa alma voa, muito além das montanhas encantadas, quando sabemos o que buscamos e não perdemos o norte, independente das intempéries. Abraço fraterno.

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  7. Há tantos andarilhos...Acredito que em algum momento de nossas vidas vivemos este momento.
    Àqueles que sonham, na verdade, não é dado o direito de morada fixa. Eles vivemn na eternidade.
    Bjs
    Nadilce Beatriz (Nadi)

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